quinta-feira, 18 de junho de 2009

A arte e sua participação no estranho comportamento humano.

Por Rodrigo Abrahim


A arte é conhecida por provocar sensações boas e ruins. Disso nós sabemos. O que pouca gente sabe, é que ela também é capaz de influenciar comportamentos. As artes plásticas – pintura e escultura – ao longo de sua história passaram por diversos momentos onde estes comportamentos foram peças chave na sua evolução. Evolução na arte, é preciso deixar claro, não é o progresso que conhecemos; é mais um autoconhecimento e uma mudança resultante dele.


Um estranho começo Comecemos então com nossos primeiros comportamentos causados – ou quem sabe: criados – pela atividade plástica.

Embora haja discordâncias, as pinturas rupestres, foram nossa primeira tentativa de dar função à imagem. Quem sabe imortalizar bravos feitos ou pedir aos céus por fartura na caça. Sejam quais fossem estas funções, elas também foram usadas mais tarde em totens, pingentes, em bonecos voodoo e outras “obras de arte”. Isso pode ser visto hoje por grande parte da nossa sociedade, como sendo frutos de mentes simples e atrasadas. Não sei se nossos antepassados mais primitivos eram atrasados ou simples, mas sei que eu nunca enfiaria um alfinete no olho de uma foto de minha mãe ou minha esposa, mesmo tendo a plena consciência de que aquela foto não está de forma alguma vinculada fisicamente a elas. Isso sim é estranho. E se este comportamento primitivo nos acompanha até hoje, muitas outras linhas de pensamento evoluíram e se tornaram mais estranhas ainda.


Já que estamos falando de costumes e mentes estranhas, mais tarde – porém relativamente recente – houve um povo citado como o berço da civilização como a conhecemos: os egípcios. Eles tinham o semelhante hábito de esculpir retratos de seus faraós em seus túmulos. Ninguém espera, no entanto, que segundo suas crenças, estes retratos não podiam ser iguais os seus retratados, ou na hora da ressurreição – sim, por que todos eles ressuscitavam, afinal eram faraós – sua alma podia encarnar na estátua e não no corpo correto. Faz sentido se pararmos para pensar, é algo que deve ter sido pensado e repensado.


A civilização grega é citada por todos os acadêmicos como o berço da cultura ocidental, e assim como a egípcia, também tinha muitos deuses, como nós temos muitos santos. Mas, tinham também o estranho hábito de não usá-los como exemplos e objetos de adoração, usavam em seu lugar seus heróis. É compreensível, já que os heróis, humanos por natureza, só possuíam virtudes. Força, coragem, amor, sempre prontos para morrer por sua casa e sua família, já os deuses, entidades divinas que eram, comiam seus próprios filhos, como Cronos; orquestravam assassinatos, como Zeus e cometiam adultério, como Afrodite. Sim, é compreensível.

Em todas as artes sempre houve aqueles artistas que tentavam o inatingível, que buscavam o novo. Cada período teve seus costumes, valores, modas e estéticas e toda época, sem exceção, tem seus inovadores. A novidade e o olhar único sempre foram características que alguns artistas achavam necessárias e muitas outras pessoas achavam tamanha liberação intelectual algo estranho e bizarro.


A igreja e o bizarro Leonardo Da Vinci já era um interessado pelo incomum. Além de resolver estudar anatomia de forma ilegal, até criminosa para a época, resolveu fazer estudos sobre o grotesco. Convenhamos, mesmo hoje, isso não gera lá muito interesse. Num tempo e lugar fortemente - e por que não dizer fanaticamente - católicos, pinturas que abordavam passagens bíblicas com um pouquinho mais de liberdade já eram vistas com olhos desconfiados e comentários reticentes e condenados pela igreja.

A tentativa de transgredir imposições da igreja, aliás, foi responsável por estabelecer algumas bizarrices que hoje nada seriam além de ótimas representações religiosas do catolicismo. Por exemplo, as duas famosas versões de São Mateus de Caravaggio, de 1602, onde um anjo lhe diz as palavras do Evangelho de Mateus. A igreja reprovou a primeira versão que mostrava um São Mateus com pés sujos, roupas modestas e a atitude simplória de um analfabeto tendo a mão guiada pelo anjo. A obra foi refeita retratando o santo usando uma nobre toga vermelha e escrevendo com ares de um escritor que está recebendo a inspiração de um anjo.



Moderno No século 19, Gustave Courbet, um artista da escola realista, saciou sua vontade de transgredir com sua obra, A origem do mundo. Mesmo no século 21 há quem confunda esta obra, academicamente respeitada, com pornografia. E a maioria dos observadores não esconde seu desconforto ao se deparar com o quadro num ambiente sobriamente intelectual no qual ele invariavelmente se encontra.


Surrealismo Houve um artista em especial, Hieronymus Bosch, atuante no século 15, que apesar de ter incluído temas religiosos em sua arte, usou também imagens caricatas de pecado e tentação inclinando-se ao extremo para o simbólico.

Quinhentos anos depois de Bosch, nasce o movimento artístico cuja razão de ser era a intenção de provocar ondas de uma sensação incômoda. Causar ações, reações e fazer o observador esperar o inesperado. Salvador Dalí, artista símbolo do movimento, com certeza estava muito familiarizado com o trabalho de Bosch.

Marcel Duchamp, outro surrealista, inaugurou em 1913 o que foi chamado de readymade, algo que em português se assemelha a ‘feito pronto’. Objetos encontrados, que durante sua vida útil tinham uma função óbvia e notória, passam a ser tratados como arte, tendo uma nova identidade, um novo contexto e um novo nome. A fonte, do artista é um dos melhores exemplos, e o mais famoso readymade de Duchamp. Um mictório de banheiro masculino, de porcelana branca, assinado, transforma-se na titular fonte meramente por ser batizado como tal.


Podemos sentir algo diferente também quando entramos em contato – pelo menos visual – com o objeto Le dejeuner en fourrure da artista suíça Méret Oppenheim. Imagine-se saboreando um chá. O mais saboroso chá de especiarias, quente, leite, mel ou limão. Como preferir. Seus lábios tocando a borda da xícara e os pelos molhados e malhados do objeto deixam a sensação suave... Espere um pouco. Pelos? Sim. Le dejeuner em fourrure de Oppenheim é uma xícara de chá acompanhada de pires e colher, cobertos de uma pelagem marrom e branca. Oppeinheim, não surpreendentemente, foi mais uma representante do surrealismo.


E agora? Todas estas imagens, objetos e idéias, são parte do que faz da arte algo sempre vivo. Mesmo estes artistas, através de suas estranhas idéias novas, mexem até hoje com nossas idéias, ideologias, conceitos, preconceitos, comportamento e tabus. Talvez agora entendamos um pouco mais sobre a “evolução” que a arte sofreu ao longo de nossa história. A outra pergunta é se nós evoluímos igualmente, se ainda mantemos muitos dos sentimentos se nossos antepassados, primitivos e modernos ou se estes incríveis homens e mulheres realmente tinham algo que os separavam da humanidade como a conhecemos e os faziam seres diferentes e estranhos.


*Rodrigo Abrahim, é formado em desenho industrial pela PUC do Rio de Janeiro. É ilustrador e escritor de livros infantis, e dá aulas eventuais de artes e técnicas de desenho e ilustração. É autor do livro "Quando eu crescer" lançado pela editora Elementar. Contato: rodrigo.abrahim@gmail.com

Gostaria de ter parido "O touro Ferdinando", mas o americano Munro Leaf o pariu primeiro em 1936.

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