quarta-feira, 17 de junho de 2009

O reduto do rock

Ellen Bacci Fernandes

Há 41 anos, os roqueiros de São Paulo têm um ponto de encontro fixo no bairro do Belém, na zona leste da cidade. É o Fofinho Rock Bar, tradicional casa noturna que abriga os fãs do bom e velho rock and roll e suas tendências.

A estudante de Direito, Renata Alves Silva, de 28 anos, recebeu dos pais – os fundadores do local em 1966- a missão de ‘tocar’ o espaço que em sua fase inicial era destinado aos fãs de soul e black music.

Com o surgimento do rock, os idealizadores aproveitaram a nova onda musical e decidiram arriscar por um caminho que trouxe toda a efervescência cultural no contexto mundial, como o movimento da contracultura e o período da ditadura militar do Brasil. “Aqui nós reunimos várias gerações. Há frequentadores antigos que agora trazem seus filhos para curtir”, diz Renata, orgulhosa por assumir o tradicional ‘templo do rock’.

Localizado na Avenida Celso Garcia, próximo ao metrô Belém, o Fofinho Rock Bar fica em um prédio de dois andares. No térreo, como não poderia faltar, há um bar sob o comando de uma simpática senhora, a dona Alzira, que é a avó da proprietária. Também há um palco onde as bandas se apresentam, além da disputada mesa de bilhar.

Já no primeiro andar há um grande salão com paredes totalmente pretas e luzes coloridas onde o público ‘agita’ os clássicos do rock selecionados por um disc- jóquei (DJ) que comanda a cabine há mais de 20 anos.

A programação da casa começa na quinta-feira quando rola o melhor da MPB, rock nacional, blues e clássicos do rock. Pode até causar surpresa a MPB ter seu espaço num ambiente frequentado por cabeludos e cabeludas. Mas Renata justifica: “Os roqueiros também curtem MPB”.

Aos sábados é a vez do melhor do heavy metal e seus estilos, como power, speed, death e trash metal, além de shows ao vivo com bandas undergrounds e já consagradas nacionalmente como o Made In Brazil que garante a lotação da casa. Aos domingos os frequentadores curtem o melhor da MPB e clássico do rock nacional e internacional. A proprietária ressalta que neste dia o som termina às 23 horas já que a maioria do público depende de transporte público.

Sobrevivência

Ao ser questionada sobre a sobrevivência da casa noturna diante de outros estilos musicais que podem até ser mais rentáveis que o rock e da especulação imobiliária na região, já que o imóvel está localizado em uma área que está sendo tomada por grandes empreendimentos imobiliários residenciais e comerciais, Renata é direta. “O Fofinho está vivo por causa do amor que temos pelo rock. Eu e minha família nunca pensamos em abrir mão do local por causa da paixão pelo rock and roll”, declara entusiasmada.

No entanto, a proprietária admite que já recebeu propostas interessantes para a aquisição do imóvel, principalmente por parte de grupos religiosos. “Sempre surgem propostas tentadoras, mas nós resistimos”.

Para se manter há 41 anos na ativa e atrair novos frequentadores, Renata diz que o principal meio de divulgação, apesar da página na internet (http://www.fofinhorockbar.com.br/) e comunidades no Orkut, é a propaganda boca-a-boca.

Presença essencial

Ela teve a honra de servir um grande ídolo da música brasileira em meados dos anos 80 e há 41 anos comanda o bar do Fofinho. Essa é a dona Alzira, de 73 anos, que mantém a vitalidade e um pique invejável para qualquer ‘roqueiro de carteirinha’ na faixa dos 20 anos.

A avó da proprietária conta com orgulho que atendeu diversas vezes em seu bar o memorável Raul Seixas.“Ele era uma pessoa muito boa. Tinha o costume de vir aos domingos, sempre disfarçado para não chamar a atenção do público. Ele preferia ficar no andar superior. Mas quando alguém o reconhecia, era aquela loucura”, relembra, emocionada. “Nós sentimos muito quando ele morreu”.

Para dona Alzira, o trabalho no bar ‘é uma terapia’. “Converso com todo mundo, faço amizades e todos me tratam bem. Me sinto muito feliz aqui”, comenta. E a neta Renata completa. “Ela é a essência da casa”, diz.

Frequentadores ‘das antiga’

Assim como a maioria dos frequentadores do Fofinho Rock Bar, o geógrafo Leandro Ramos do Nascimento, de 35 anos, conheceu o local através de amigos. Ele conta que passou a frequentar o bar no início da década de 90, aos sábados e domingos, esporadicamente.

“Pegava o trem em Perus, na zona noroeste, o metrô na Barra Funda até a estação do Belém e seguia na caminhada até o Fofinho. Era um rolê que valia a pena principalmente porque na periferia não existia espaços voltados para o público que curte o rock clássico”, explica. O geógrafo acredita que a falta desse tipo de local tenha relação com o preconceito quanto ao público e as queixas contra o som alto. “Outro atrativo do local é o fácil acesso já que é possível se deslocar de trem, ônibus e o metrô”.

Ele, que naquela época tinha 20 anos, assume que ficou surpreso ao saber da existência de uma ‘discoteca’ para os fãs de rock. Nascimento conta que além de curtir o som de suas bandas preferidas, também conhecia pessoas de vários lugares de São Paulo e fez grandes amizades.

“Era e ainda é interessante escutar músicas de bandas como Black Sabbath, Uriah Heep, Emerson, Lake & Palmer, Lynyrdy Skynyrd, entre outros, e perceber que por mais ‘fora de moda’ que o classic rock possa aparentar, por influência da mídia, ainda há um público muito fiel a esse tipo de música”, defende.

Diferente de Leandro que após um tempo deixou de curtir o espaço, o comerciante Marcelo Accette Polizer, de 38 anos, conhecido como ‘Xuxa’, marca presença até hoje. “Lembro que quando comecei a vir no Fofinho tinha uns 18 anos e naquela época havia fila para comprar ingressos”, conta.

Semanalmente ele não abre mão de pelo menos dar uma passada na casa do rock para reencontrar amigos, fazer novas amizades e tomar uma ‘breja’(cerveja). “Passei e ainda passo ótimos momentos aqui. Ainda tenho o costume de acampar com grandes amigos que fiz no Fofinho. É um lugar muito especial”, define.

Tony Ufo tem 40 anos e há 20 faz parte do público fiel do Fofinho. Ele é uma prova de que ‘os bons filhos à casa tornam’ porque agora curte o espaço ao lado da filha, fruto de um relacionamento com uma garota que conheceu lá. “Aqui há lugar para a geração nova e o ‘pessoal das antiga’. Rola um som muito bom.”

NOTA DA AUTORA : Eu, Ellen Bacci Fernandes, me considero uma freqüentadora ‘das antiga’ como a galera do Fofinho costuma definir. Assim como muitos, conheci o lugar através de amigos e dependia de condução para chegar até lá. Ia de trem de Jundiaí até a estação Barra Funda, o que levava umas duas horas, e pegava o metrô até a estação Belém. Retornar ao Fofinho após quase dez anos para fazer essa matéria me trouxe boas lembranças de uma época inesquecível. Posso dizer que resgatei o espírito rock and roll da minha adolescência.


VÍDEO: Gustavo Moura (edição), Márcio Conde e Ellen Bacci Fernandes (produção)
*Ellen Bacci Fernandes, jundiaiense,formada em Jornalismo pela Fiam. É repórter do Núcleo de Especiais do Jornal de Jundiaí e freelancer. Gostaria de ter parido o rock and roll. Contato: efernandes2306@gmail.com

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