terça-feira, 16 de junho de 2009

Uma vítima na Pedroso


Por Glaucia Lima

Cidade de São Paulo no elegante bairro de Alto de Pinheiros, avenida Pedroso de Moraes. Exatamente no meio do canteiro central, é onde reside. Não tem como não notá-lo. Trata-se de um homem vestido com roupas encardidas, calças rasgadas, uma de coroa de plástico na cabeça. Ele simplesmente está sentado num latão de óleo no meio do canteiro central e parece já pertencer à paisagem. O que intriga, é que ele cultiva um hábito nada comum aos de outros moradores de rua. Ao invés de pedir esmola no farol mais próximo, Raimundo Arruda Sobrinho passa o dia todo escrevendo. Embora afirme que seus escritos são como diários, pensamentos que não interessam a ninguém, ele monta livretos desenvolve as próprias capas, encaderna com linha e agulha e distribui cópias feitas a mão para as pessoas que se interessam por sua vida e textos. As tiragens geralmente são de 45 exemplares e todos são assinados com um pseudônimo: O Condicionado.

Poucos imaginam que Raimundo conhece a obra de escritores como Machado de Assis, Luis de Camões, Castro Alves, Mário de Andrade e os irmãso Augusto e Haroldo de Campos. Admira o ensaísta Paulo Prado, de quem leu e releu "Retratos do Brasil". Em seus escritos cita o psiquiatra espanhol Emilio Mira y Lopes, autor de “Os Fundamentos da Psicanálise” e tem perfeita lucidez sobre sua condição de marginalizado. "Vivem perguntando se sou um escritor. Ora, como alguém em sã consciência pode achar que um escritor estaria na situação em que me encontro?"afirma. Assim como não gosta de ser confundido com um escritor, também detesta ser chamado de mendigo. “Sou uma vítima das oligarquias econômicas”declara. Do pouco que revela da sua vida, diz que era assíduo leitor do Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo, na década de 60. "Naquela época havia intelectuais de verdade, que sabiam polemizar, sabiam escrever um texto. Não estou falando de escritores que lêem os outros, roubam argumentos e escrevem seus livros. Esses não valem nada. Infelizmente, são a maioria"filosofa.

Goiano, nascido na zona rural em 1938, Raimundo veio para São Paulo aos 23 anos de idade. Foi vendedor de livros, teve uma boa biblioteca e uma coleção de fotografias. Em 1976 sofreu um surto e acabou internado num hospital psiquiátrico. Quando saiu, foi morar na rua. Apesar da antiga paixão pela leitura, há mais de duas décadas não lê absolutamente nada, desde que se "desligou do mundo". Para ele, não existiram o videogame bélico da Guerra do Golfo, o desmantelamento do império soviético, o impecheament de Fernando Collor de Mello, a evolução tecnológica da informática e nem a comemoração dos 500 anos de Brasil. "Não sei quem é o prefeito, quem é o governador ou o presidente da República; não leio jornais, nem vejo televisão. As notícias do mundo simplesmente não me interessam", afirma de forma taxativa.

Mesmo isolado, sem amigos, família ou parentes, ele não demonstra nenhuma inclinação a ser carente, fraco ou oprimido Aqueles que o tratam como um desprotegido ou doente mental, recebem palavras duras. "A minha selvageria é equivalente à falta de cultura das pessoas. Só porque estou na rua, exposto a tudo, se acham no direito de me aborrecem com conversas vazias. Será que não percebem que estou trabalhando e cuidando da minha vida? "exclama. Apesar da agressividade, revela-se um homem educado e dono de uma ótima memória. Um dos poucos assuntos capazes de animá-lo para uma conversa mais duradoura é literatura. Quando envereda pela arte poética, uma de suas grandes paixões, pelo menos no tempo em que ainda estava "ligado" no mundo, os comentários são desconcertantes. "Depois dos Campos, aqueles dois irmãos que criaram a poesia concreta, não aconteceu nada de extraordinário na poesia brasileira”, declara.

Como um enigma, uma acusação explícita às injustiças sociais, ele simplesmente permanece ali, no meio do canteiro central de um bairro rico de uma metrópole que se autointitula internacional. "Muitos fingem desconhecer a realidade em que vivemos e me perguntam por que estou morando aqui. Não tenho mais paciência para explicar o que elas se recusam a ver”. Aos que insistem, Raimundo responde categórico: "Há uma famosa lei da física que diz que um corpo tem que ocupar um lugar no espaço",filosofa.

*Sou paulistana , corintiana roxa, formada em comunicação social com habilitação em publicidade propaganda - Unip. Estudante de Jornalismo -FIAM/FAAM.

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