quinta-feira, 18 de junho de 2009

Vai um brigadeiro aí?

Acompanhe uma caçada ao doce de chocolate e leite condensado pela Avenida Brigadeiro às 22h de uma noite qualquer

Fernando Marcondes de Torres


Brasileiro que é brasileiro gosta de brigadeiro, um doce que é bem nosso, talvez o mais popular de todos. Mas poucos paulistanos fazem a associação entre o quitute e duas das avenidas da cidade que levam o nome “brigadeiro”: a Avenida Brigadeiro Luís Antônio, na Bela Vista, e a Avenida Brigadeiro Faria Lima, em Pinheiros.

Deveriam. É que o nome do docinho se deve exatamente à função dos militares que dão nome às avenidas. Na verdade, mais especificamente a outro militar, o Brigadeiro Eduardo Gomes que, em 1946, se candidatou à Presidência da República. As moradoras do bairro Pacaembu gostavam tanto do candidato que organizavam festas para promovê-lo. Em uma delas, surgiu o tal doce à base de leite condensado, chocolate em pó e manteiga, sendo batizado justamente com a profissão do candidato.

Pois bem. Para ver a quantas anda a fama do brigadeiro, propus a mim mesmo uma tarefa singular: percorrer a extensão da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, na altura da Radial Leste, até cruzarmos a Avenida Paulista. A missão era parar em TODOS os bares, lanchonetes e demais estabelecimentos desse trajeto que comercializam comida e fazer uma pergunta bem simples: “Tem brigadeiro?”. Detalhe: fiz isso às 22h, de uma terça-feira qualquer.


Em baixa


Descobri que o doce anda meio em baixa na Avenida Brigadeiro. A maior parte dos bares e lanchonetes não vende brigadeiro e os fregueses nem sentem falta. É o caso do bar Flor de Goiânia. A atendente Laís Gonçalves, que trabalha lá há quatro anos, diz que o estabelecimento nunca vendeu o docinho e os clientes nunca reclamaram.

Outras tantas lanchonetes como a Rosa Baiana e o Nosso Lanchinho vão pelo mesmo caminho. Quando questionados sobre a estapafúrdia de um bar da Avenida Brigadeiro não vender brigadeiro, os atendentes se limitam a sorrir. Provavelmente, só agora “caiu a ficha” dessa dicotomia.

Já o dono da Lancheteria Castelinho, o português Justiniano Macedo, diz que parou de vender brigadeiro há apenas seis meses. “Era um brigadeiro especial, recheado, feito artesanalmente”, conta ele. E por que deixou de vender? “Infelizmente, os fregueses não procuravam muito. Mas eu pretendo voltar a vender em breve”, promete.

Brigadeiro’s

Se é verdade que a maior parte das lanchonetes e bares da Avenida Brigadeiro despreza o famoso doce de chocolate, em contrapartida, quem procura acha. Na doceria Almeida, encontrei um exemplar. Ou melhor, exemplares vendidos em bandejas fechadas – vinte pequenos brigadeiros por R$ 2,90. A proprietária do local, Marleide Quirino, conta que revende a cartela há dez meses e, sim, tem uma boa saída. Resolvi experimentar. Não passou no teste: muito doce e um pouco duro.

Mas a saga pela Avenida Brigadeiro continua. Mais adiante, no Supermercado Econ, uma rede popular, encontro outra espécie de brigadeiro: Moça Fiesta. “Ora”, alguém pode dizer, “mas isso não é brigadeiro”. Como não? Em tempos modernos, a versão enlatada pode, sim, ser considerada genuína. Só falta o granulado.


Aliás, há muito mais brigadeiros entre o Céu e a Terra – ou seria melhor dizer entre a Radial e a Paulista? – do que imaginam nossa vã filosofia. No espaço de conveniência do Auto Posto Bela Vista, encontro o picolé Brigadeiro, da Kibon. E, mais adiante, na lanchonete Faper Dog, foi a vez do Corneto Brigadeiro, da mesma marca. Pois é, o brigadeiro também virou sorvete. E ai de quem falar que não está valendo!

O legítimo

A essa altura, já estava relativamente satisfeito com o que havia encontrado. Porém, faltava ainda o brigadeiro gigante, aquele comercializado em padarias. O problema é que a rua é parca em “padocas’”. As poucas que havia já estavam fechadas àquela hora da noite.

Porém, a quase uma quadra da Avenida Paulista, eis que surge uma à nossa frente: a padaria do Extra. “Aqui com certeza tem”, eu apostei. A sorte foi ainda maior do que imaginava. Para começar, encontro um bolo de chocolate com recheio de brigadeiro, com a etiqueta “Bolo Brigadeiro”. Legítimo. Não falta nem o granulado!

E, por fim, na mesma padaria, o exemplar gigante do brigadeiro. Que tal fotografar? Ih, justo nessa hora apareceu o gerente, o Manuel da Silva, e me informou que fotos eram proibidas! Tive que comprar o tal doce para, aí sim, conseguir uma foto. Bom, essa alternativa não foi tão ruim. Afinal, aproveito para degustar a peça rara. E estava uma delícia!

Cheguei finalmente à Avenida Paulista, o término da viagem. Corri para pegar o metrô (Brigadeiro) a tempo de conseguir alcançar meu ônibus para o interior.


Foi nesse momento que percebi que ainda estava com metade da bandeja dos brigadeiros de festa, aqueles primeiros que encontramos. O que fazer com aquilo? Corri os olhos ao redor e notei um mendigo dormindo enrolado no cobertor, dentro do hall da Estação Brigadeiro. Não pensei duas vezes. Coloquei a bandeja ao seu lado e fui embora. Quando acordasse, ele não iria entender nada, e jamais faria a associação entre a Avenida, a Estação e o doce. Mas, provavelmente, agiria como qualquer outro brasileiro: comeria seus brigadeiros feliz da vida e lambendo os beiços.

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